Renato Zambonatto Legal Design e Visual Law
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Juíza usa prints de rede social para demonstrar ostentação de devedora – isso é visual law?

Será que todo e qualquer elemento que fuja do texto corrido é visual law ou legal design?


Uma decisão proferida pela juíza Samantha Mello, da 5ª Vara do Trabalho de Santos, chamou a atenção pelo uso inesperado de prints de redes sociais.

A juíza usou as redes sociais para analisar o padrão de vida da autora em ação trabalhista e justificar o uso de medidas mais drásticas para buscar a quitação de dívida. Na decisão foram juntados prints onde a devedora ostentava viagens e bens de valor considerável para justificar a imposição de diversas medidas como a penhora de bens como tênis e casaco da marca Louis Vuitton e de bolsas da marca Chanel, além de eventual leilão da residência caso a dívida não seja quitada.

Antes da análise sobre o caso, importante um destaque que foi omitido em muitas das notícias veiculadas sobre o caso: o escritório da reclamante apontou previamente nos autos a ostentação da devedora, sendo que tal “dica” foi acatada pela magistrada.

Entendo importante pontuarmos que o advogado da reclamante trouxe tal ponto à tona em uma petição que evidenciava a paixão da devedora por equitação, procedimentos estéticos e roupas de luxo e, então, a trilha foi seguida pela magistrada.

O que nos interessa nesse texto, porém, é o emprego do visual law – na verdade, será que o que foi feito pela juíza (e, anteriormente, pelo advogado da autora) é realmente o uso do visual law?


Não vou entrar no mérito da eficácia da decisão ou sobre até que ponto a decisão foi acertada, justamente por fugir do foco do meu trabalho, mas entendo importante não usarmos o termo visual law ou legal design para qualquer elemento que fuja do uso do texto corrido.

O mais interessante sobre esse caso é entendermos a diferença entre inovação e adaptação. Esse tema merece um artigo separado, mas preciso fazer essa distinção rapidamente por aqui.

O Direito é um ramo com grande resistência à inovação, mas com grande capacidade de adaptação. É importante que fique claro, uma vez que o visual law tem uma ligação mais íntima com a inovação e não com adaptação.

Muitos profissionais do Direito se dizem inovadores sendo que, na verdade, possuem grande capacidade de adaptação e apreço por  automação.

Beleza, mas qual a relação dessa reflexão com a decisão mencionada?

A simples análise da sentença demonstra que não existiu nada de inovador relacionado ao visual ou aos elementos visuais utilizados pela magistrada.

A formatação é simples, sem nenhum tipo de inovação ou uso de elementos visuais diferenciados, e a estrutura é a mesma encontrada em praticamente todas as sentenças.

O que a decisão fez de diferente foi trazer prints das redes sociais da devedora, mas isso é uma simples adaptação à nossa realidade, à era das redes sociais.

Imagine um processo da mesma natureza, mas troque o ano de 2023 por 1999, por exemplo.

Agora, imagine que o autor da ação contrate um investigador para constatar a ostentação da devedora em seu cotidiano. O investigador faz cliques da reclamada viajando durante algum feriado e esbanjando em um restaurante chique à beira da praia. A devedora ostenta seu Motorola Startac novinho com os amigos, fica balançando a chave de sua Chevrolet Blazer e ainda pede as comidas mais caras do cardápio. Tudo isso vai para o processo, em petição da reclamante, para informar o juízo sobre a situação.

Para tentar confirmar tais fatos, a magistrada resolve passar pelo imóvel da reclamada e dá de cara com a reclamada saindo de sua residência trajando artigos de luxo, de marcas conhecidas e caras, indo em direção ao seu veículo que não consta nas declarações de Imposto de Renda .

Nessa situação hipotética passada décadas atrás, caso a magistrada tivesse em mãos uma máquina fotográfica ela poderia tirar fotos da situação e usar as imagens em uma eventual decisão para justificar as medidas por ela determinadas na busca pela satisfação da dívida. Mas isso seria visual law ou legal design?

Eu entendo que não.

O uso de elementos visuais, por si só, não é a mesma coisa que fazer uso dos conceitos e princípios que norteiam o visual law e o legal design. Por mais acertada que a decisão tenha sido e por melhor que tenha sido a atuação do advogado ao apurar a situação e levar ao juízo, isso não deve ser caracterizado como visual law ou legal design.

O que aconteceu nesse caso foi uma adaptação à nossa realidade. O advogado da reclamante se adaptou ao contexto em que vivemos e fez uso das ferramentas que possuía em seu alcance. A magistrada, por sua vez, também seguiu a mesma linha e fez uso das ferramentas que existiam no processo.

Então, por mais interessante que a atuação do advogado e a decisão da magistrada tenham sido,  falar em uso de visual law ou legal design é desvirtuar o uso das técnicas envolvidas.


E como poderiam ter atuado para que o visual law realmente fosse empregado no caso para reforçar a narrativa de ostentação da devedora?

Uma sugestão que reforçaria a narrativa seria a apresentação de uma linha do tempo simples para indicar que, enquanto o processo se arrasta por mais de uma década, a devedora esbanja ostentação em seus perfis nas redes sociais, principalmente no Instagram.

O advogado, em conjunto com os prints das redes sociais e apenas para complementar a narrativa, tornando-a mais incisiva, poderia ter feito uso de algo parecido com as linhas do tempo abaixo, elaboradas por mim com as datas condizentes com o processo real:

Porém, o mais importante nesse caso foi que a mensagem foi entendida pela leitora – os advogados apontaram a ostentação e a magistrada seguiu a trilha para fundamentar sua decisão com base nas postagens indicadas.

Seria legal ter algo mais explicativo para deixar a imagem mais clara e com maior poder de convencimento? Claro que sim. É necessário sempre fazer uso de elementos visuais desse tipo? A própria atuação da magistrada indica que não.

Agora, o que eu sei é que jamais gostaria de correr o risco de não ser compreendido apenas por deixar de trazer elementos que tornariam minha narrativa ainda mais poderosa – e esse é um dos poderes do visual law e do legal design: tornar narrativas mais atrativas e com maior poder de convencimento.

 

Renato Zambonatto

Sobre o Autor

Renato Zambonatto

Renato Zambonatto é legal designer, advogado e acredita na transformação do universo jurídico através de uma comunicação mais direta, certeira e com foco na melhor experiência para os usuários envolvidos.

3 comentários em “Juíza usa prints de rede social para demonstrar ostentação de devedora – isso é visual law?”

    1. Digo: Já que estamos na era digital, por que não usar meios como esses “prints” para arrolar ao processo da acusada? Acredito que seja viável sim.

      1. Renato Zambonatto

        Também acredito ser super viável! Mesmo assim, em alguns casos os prints podem não ser suficientes para demonstrar com clareza o que se pretende, por isso também acho importante usarmos outros elementos visuais mais explicativos em conjunto com as imagens.

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